A eclosão dos protestos de rua me fez rever as teorias
que procuram explicar a dinâmica das manifestações coletivas. Estas costumam
surgir abruptamente, refletindo aspirações não atendidas, como vem ocorrendo no
Brasil. Nesses episódios, o comportamento da massa pouco tem a ver com o
comportamento dos indivíduos. Alguns autores dizem retoricamente que as
multidões têm personalidade própria e, por serem contagiantes, atraem pessoas
que dispensam análise crítica das motivações. A adesão é feita com base na imitação,
sugestão e interação intensas com as próprias massas. A propagação é
proporcional aos sentimentos de frustração e à percepção da inadequação das
instituições que deveriam atender as expectativas e não o fazem.
As
manifestações coletivas ganham ímpeto quando se identifica um vilão — ainda que
vagamente. No caso do Brasil, o governo vem sendo responsabilizado pela
insatisfação popular, inicialmente pelo aumento da tarifa de ônibus e, em
seguida, por várias insatisfações latentes, em especial, pelos desperdícios de
recursos públicos que conspiram contra a melhoria de vida dos brasileiros. As
redes sociais potencializaram o papel do vilão e fizeram o movimento ganhar
foco. O governo ficou encurralado, tendo sido rotulado, a um só tempo, como
culpado e sem moral para agir.
A
movimentação atual poderá ganhar mais força com a chegada do papa Francisco,
que vem ao Brasil para abençoar a Jornada Mundial da Juventude. Milhões de
jovens estarão concentrados em praças públicas, em situação de incontrolável contágio.
Poderá surgir ali a oportunidade para homenagearem o Santo Padre — que prega a
humildade, a moralidade e o respeito ao próximo — e condenarem os perdulários
governantes com cartazes em vários idiomas para serem entendidos em todo o
mundo via internet, movimento de dimensão planetária.
Até
o momento não surgiram líderes. É assim mesmo. Os líderes costumam emergir
quando as manifestações coletivas se transformam em movimentos sociais. Ao
contrário das manifestações coletivas, os movimentos sociais são estruturados,
possuem objetivos claros e planos definidos para a viabilização. Nesse estágio
é que surgem indivíduos que, por terem encarnado os protestos iniciais, se
tornam líderes, desde que revelem possuir soluções para atender os
descontentes.
Os
líderes podem ser do tipo carismático ou do tipo administrador. O líder
carismático se impõe pelas qualidades que diz ter e que são aceitas pelos
liderados. Tende a ser impulsivo, dramático, com ares de herói e focado na
solução dos problemas imediatos. Na memória dos brasileiros, Lula ocupa posição
de destaque. O líder administrador tende a ser objetivo, pragmático,
propositivo, cauteloso e preocupado também com o futuro do país. Estaria aí o
estilo de Fernando Henrique Cardoso.
Para
ser efetivo, o movimento social terá de mobilizar grandes massas e conquistar a
confiança dos adeptos para, com isso, impulsionar as mudanças pretendidas. Tudo
depende da estruturação do movimento e do sucesso inicial do plano de mudança.
Se vingar, o movimento social pode modificar ou substituir as instituições
vigentes e, em caso extremo, mudar o regime político do país. É que vimos no
Oriente Médio nos anos recentes.
Reitero,
porém, que nem toda manifestação coletiva evolui para movimento social. Muitas
manifestações perdem força ao longo do caminho. Caso recente é o movimento
Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, que se dissolveu em pouco tempo. O que
se pode antever no Brasil? Estamos num ponto crítico. Os protestos das ruas
pode m avançar na direção de um movimento social ou se esgotarem por desânimo,
cansaço ou ação dos governantes.
No
momento, o governo está sem ação. Pode sacrificar alguns bodes expiatórios
(trocar ministros) na tentativa de reconquistar a confiança do povo. Mas, aos
olhos dos manifestantes, será difícil se livrar da pecha de vilão. Se
prosseguir, a decepção poderá comprometer os planos de reeleição dos
governantes de plantão. Dela poderão ocorrer desdobramentos voltados para
reformas profundas dentro ou fora da ordem vigente.
Disso
tudo se tira importante lição. O Brasil mostrou ao mundo que uma parcela
expressiva da população não se enquadra nos resultados das pesquisas de opinião
pública que até outro dia classificavam os brasileiros como o povo mais feliz
do mundo. A esses pesquisadores fica a recomendação para, daqui para a frente,
observarem com mais acuidade os sentimentos latentes dos brasileiros.
José Pastore é professor de relações do
trabalho da FEA-USP e membro da Academia Paulista de Letras.
Publicado em 29/06/2013 no Correio Braziliense.